O trabalho com Saúde Mental exige, muitas vezes, o trabalho interdisciplinar.
Dependendo das necessidades do paciente é necessária uma equipe de dois ou mais profissionais para atender devidamente as necessidades de alguns casos. Convidamos a médica psiquiatra Patrícia Piper para uma breve entrevista em que falamos da importância da interação psiquiatra e psicólogo para o tratamento de saúde mental.
– Qual a importância da interação entre Psiquiatra e Psicólogo? Qual a sua visão como médica psiquiatra?
“A Interação entre psicólogo e psiquiatra é uma interação absolutamente necessária, profundamente fortalecedora para o processo terapêutico do paciente.”
– Você pode elencar os principais pontos da importância dessa interação?
“O primeiro ponto é porque a gente consegue estruturar uma unidade no sentido de visões diferentes que se dialogam… não uma unidade no sentido de estarmos falando a mesma coisa sobre o paciente. Uma unidade no sentindo, que sim estamos conversando sobre você os seus problemas, estamos conversando sobre aquilo que te aflige, temos visões que se complementam, que se escutam, ou que se buscam se fazer compreender. Esse falar “a mesma língua” é uma coisa fundamental.
O paciente se sente muito seguro quando ele sabe que os profissionais, que estão cuidando dele, estão dialogando; estão procurando saídas nas quais ambos podem atuar de uma forma pragmática, resolutiva, ou de uma forma mais acolhedora, mais intensa.”
– Como esse diálogo precisa ser construído entre psicólogo e psiquiatra? Qual a importância disso?
“Esse diálogo precisa ser construído por um motivo muito simples: o psiquiatra normalmente vê o paciente uma vez por mês, uma vez a cada 15 dias, são poucos os psiquiatras que vem o paciente semanalmente, alguns psiquiatras vão ver a cada dois meses, alguns a cada três; e o psicólogo está com o paciente semanalmente, uma, duas ou até 3 vezes por semana, dependendo da intensidade dos sintomas e as demandas do paciente.
Então o psicólogo é aquele que conhece a rotina, a família, e conhece muito mais do que o psiquiatra, então o psicólogo consegue trazer para o psiquiatra o colorido da vida desse paciente, ou os tons de cinza que vem se pintando na vida desse paciente, o que ele vem perdendo ao longo do adoecimento, e como isso vai se desvitalizando, e isso a gente só consegue com a proximidade, com a conversa, com o tempo, com o diálogo. O psicólogo trás todas essas informações e quando o psiquiatra está aberto a ouvir; para além de diagnósticos, para além dos sintomas, então tudo isso enriquece muito, enfim é um ponto fundamental esse diálogo entre psiquiatra e psicólogo.”
Outro ponto importante é afinar o diagnóstico.
“Existem coisas que preocupam muito os psiquiatras, sintomas, oscilações de humor, tristezas, ansiedades, insônia; a preocupação em conseguir localizar isso na narrativa do paciente. E isso faz parte do nosso trabalho, por ser uma das formas da gente ter dados para ajustar as medicações; mas muitas vezes quando nós psiquiatras estamos muito focados nisso; muito focado nesse grupo de sintomas, acabamos sem querer esvaziando um pouco as outras esferas, que passam desapercebidas.
Nada como vários olhares sobre o mesmo objeto para perceber, não a totalidade, pois isso seria muito pretensioso, mas para perceber quase uma totalidade, ou para perceber isso como algo um pouco mais completo do que um olhar só, então essa troca de percepções, entender os mecanismos de defesa, entender como essa pessoa reage quando está frustrada, quando está triste, isso são coisas que muitas vezes passam desapercebidas na avaliação psiquiátrica , e que o psicólogo pode trazer pro centro do cuidado, pro centro da atenção que é voltado ao paciente, e esse seria então algo bem fundamental para a gente pensar nessa interação psicólogo e psiquiatra.“
– E a dinâmica familiar? Qual a visão do psicólogo e do psiquiatra?
“A dinâmica familiar, o que se apresenta ali, a família como ela se apresenta, como ela produz sintoma, como ela alivia sintoma, como que o stress do dia-a-dia mina a capacidade do paciente de lidar com seu próprio transtorno, ou com suas questões, isso de novo quem vai conseguir trazer toda essa dinâmica familiar, sem sombra de dúvida, é o psicólogo; será o terapeuta!
Isso traz muita riqueza, inclusive para o diagnóstico, porque muitas vezes recebemos o paciente; fazemos a anamnese familiar – bom tem alguma parente, pai mãe, tio, primo com bipolaridade? Por exemplo; e não tem… quer dizer não tem diagnosticado; não tem tratado, mas às vezes percebemos no funcionamento familiar que determinado membro da família tem respostas; tem oscilações de humor, passa a noite sem dormir, isso por exemplo acorda o paciente: – será que não tem um diagnóstico ali também? Então são evidências, são colheitas de informações, que vão agregando valor a essa troca.”
– E o que o psiquiatra pode auxiliar com o psicólogo? Falamos muito do que o psicólogo trás para o psiquiatra…
“Quando conseguimos aliviar os sintomas; silenciar um pouco a agitação da mente, aliviar um pouco a própria tristeza, aliviar um pouco a tensão, para que se produza o trabalho psicoterapêutico. Pode existir uma certa dificuldade, ou mesmo uma certa resistência enquanto terapeutas de entender esse lugar das medicações. Esse lugar de propiciar justamente espaço para o trabalho terapêutico.
Eu tenho vários exemplos de pacientes muito deprimidos: que o conteúdo da sessão sempre girava entorno da tristeza, da melancolia, girava sempre entorno daquilo; e a gente não consegue deslocar isso para outros lugares, onde a gente conseguiria produzir um conteúdo que ajudasse aquele paciente no enfrentamento dessa questão.
E aí entra as medicações, então às vezes o psiquiatra pode oferecer para o trabalho do psicólogo exatamente esse ponto de suporte. Essa “muleta” onde o paciente pode se aliviar e então produzir um conhecimento sobre si; permitindo outras saídas e isso é fantástico e maravilhoso!“
– E quando esse diálogo entre psicólogo e psiquiatra não flui ou não existe?
“Quando o psicólogo e o psiquiatra não estão afinados, o paciente pode ficar muito tentado a se “medicalizar”, ou seja, usar o remédio como forma de alívio de seus sintomas, sem precisar trabalhar com eles, então cabe sim esse diálogo entre a psiquiatria e a psicologia; cabe a gente questionar o paciente o tempo inteiro: “você está indo no seu terapeuta? Porque se você não for não vai funcionar….
A gente se negar de uma forma muito contundente a “medicalizar” os pacientes e trabalhar em equipe e fortalecer essa dinâmica da equipe com o paciente, com a família e com tudo que cerca nosso paciente, para que ele possa então tomar proveito dos saberes que estão postos ali.
Então a medicação que propicia o processo psicoterapêutico e que depois a gente consegue retirar com mais tranquilidade, com mais suporte, o paciente se sente mais seguro para não precisar mais do remédio, para conseguir elaborar melhor o seu sintoma, isso seria a cereja do bolo nessa interação entre psicólogos e psiquiatras.”
Patrícia Piper é médica psiquiatra e psicoterapeuta; como profissional, Patrícia tem pautado sua atuação em reflexões importantes sobre a prescrição farmacológica no tratamento terapêutico, na relação psicólogo e psiquiatra. Ela está no Instituto Aripe conduzindo o Curso de Psicofarmacologia para Profissionais da Saúde.
O curso online “Psicofarmacologia para Profissionais da Saúde” foi desenhado para psicólogas, psicanalistas, terapeutas individuais, psicoterapeutas, educadoras perinatais, obstetrizes, obstetras, enfermeiras obstetras e cuidadores em geral que desejam desenvolver uma visão crítica sobre a medicalização, levando em conta os personagens envolvidos na prescrição farmacológica.
O conteúdo foi estruturado para trazer uma visão crítica sobre medicamentos psiquiátricos, tratamento terapêutico, prescrição farmacológica, remédios psiquiátricos e seus efeitos colaterais e a importância da psicofarmacologia para psicólogos.
Saiba mais sobre esse curso online para psicologos em: https://aripe.com.br/psicofarmacologia/
O Instituto ARIPE é uma plataforma de cursos online de aperfeiçoamento e aprofundamento profissional de psicologia, cursos complementares e educação continuada a distância para psicólogas (EAD), psicanalistas, terapeutas individuais, psicoterapeutas, psicopedagogas e interessados pelos assuntos.