A relação com a própria mãe no Puerpério

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Os encontros e desencontros com a mãe/avó que auxilia a recém-mãe no pós-parto, nos cuidados com o bebê que acabou de nascer… A imagem do bebê idealizado precisa ser substituída pelo bebê real que está em seus braços…
Para esses processos, a mãe precisa se fusionar com o bebê. Essa fusão promove alegria e angústia, promove dúvidas e uma sensação de falta de controle, e no momento que você manifestar essas dúvidas, sua mãe chega querendo auxiliar. Pode ser que esse pedido faça sentido em alguns momentos e pode ser que você precise de um tempo para construir seus próprios parâmetros na relação com seu filho…

E eis que no momento em que você está se transformando em mãe, em que você está querendo descobrir quem você é, a sua mãe está do seu lado. Como lidar com isso?

Refletir sobre esse encontro que muitas vezes se manifesta como um desencontro entre a mulher que acabou de se transformar em mãe e a sua própria mãe ou qualquer outra figura da ancestralidade familiar que aparece na casa dela para ajudar com esses primeiros cuidados com o bebê, e esse é um encontro que está marcado na nossa cultura brasileira.
A cultura latina é marcada por essa transmissão de saberes entre as mulheres de uma mesma família, então muitas mulheres até se programam para no primeiro mês se mudarem para a casa da mãe ou a mãe vai na casa da filha recém-mãe para passar trinta ou sessenta dias ,já que moram em cidades diferentes, ou seja, já faz parte da rotina das famílias brasileiras, no entanto essa interação  nem sempre é tranquila.

E por que podem acontecer tantos desencontros entre essas duas mulheres: a nova mãe e a nova avó? Mesmo tendo tanto Amor. As avós não compreendem porque é tão difícil para as jovens mães a presença das avós nessa cena da chegada do bebê.

Vamos pensar então  o seguinte: a mulher acaba de receber o filho nos braços. Esse bebê conecta a mulher com uma sensação de estranheza, porque tudo que ela queria era saber o que fazer com esse bebê, a mulher sente que instintivamente pode construir essa consciência do que fazer com esse bebê e ela descobre que a maternidade rima com intimidade e para isso é necessário frequência de contato. Então a mulher precisa estar muito grudada com seu filho ou com sua filha para entender, por exemplo, as diferenças dos tipos de choro, para conseguir entender quem é aquele bebê real, ou seja descolar aquela imagem que foi construída do que chamamos de bebê ideal para substituir por este bebê que está nos seus braços.

Isso é um processo que leva tempo, é um processo de decantação de uma imagem ideal e a chegada de uma imagem mais condensada da realidade, então para esse processo acontecer a mulher precisa se fusionar com este bebê.

A nova mãe precisa estar com ele muito tempo, pois essa fusão não é encontro que promove exclusivamente alegria, é um encontro que promove angústia, que promove muita dúvida. A mulher vai se conectar, por exemplo, que a maternidade é dúvida. Maternidade é falta de certeza, é falta de controle.
Nas horas em que essa mulher manifestar essas dúvidas, entra a mãe e ela vai dizer:  “Filha, você está muito ansiosa , está muito agoniada, deixa eu te ajudar , deixa eu te mostrar. Eu já criei quatro, eu já criei cinco, eu sei como essas coisas funcionam.” e pode ser que esse pedido dela faça sentido em alguns momentos para essa mulher, mas o que é mais frequente é a nova mãe dizendo: “Eu gostaria que a minha mãe me deixasse aqui, com as minhas angústias, para eu poder construir os meus parâmetros com meu filho. Eu não quero ser salva desse movimento. Eu quero conseguir eu mesma sair desse túnel em que me meto todas as vezes que tenho dúvidas sobre o que fazer com o meu filho.”
E isso não se encerra só nos primeiros cuidados, pois não é apenas disso que estamos tratando, quando essa avó entra construindo um parâmetro dela de cuidados com o bebê, é nesse momento que inicia um processo em que a mãe jovem tem que pensar e sentir:

“O que é da minha cultura familiar, da forma que a minha família lida com a vida  e o que eu quero transmitir para meu filho dessa cultura? O que quero que permaneça aqui na minha casa e o que eu quero transformar? Quais foram as críticas que eu venho fazendo na minha vida sobre a forma eu fui educada na condição de filha? E agora o que eu vou fazer com elas na condição de mãe?”

E isso às vezes é muito doloroso, é muito difícil,  mas a mulher precisa de tempo para ir levantando todas as hipóteses e construindo algumas ponderações sobre ela mesma e seu filho. Então as avós são convidadas, nesse paradigma de entender o puerpério de uma forma mais ampla, a perceber que o papel da avó não é apoiar nos cuidados com o bebê, mas é dar apoio emocional para sua própria filha, que muitas vezes está precisando de colo. A mulher que é recém mãe se vê muitas vezes invisível e a invisibilidade  é uma das formas mais cruéis que se pode enlouquecer um ser humano é tornar uma pessoa  invisível. Depois que o bebê nasce, ele vira o centro da energia da casa, dos olhares da casa e a mãe exausta que está com as noites mal dormidas, que está com o peito rachado,  que está insistindo em uma amamentação difícil, essa mulher precisa ser cuidada e quem melhor do que a mãe dela, em alguns momentos em que ela precisa se sentir filha, cuidada, amada construindo até reparações na relação com essa mãe para ela se fortalecer para poder maternar melhor o seu filho.

Então a nossa cultura entende que ajudar uma jovem mãe é retirar o filho dela para ela poder descansar e não é disso que estamos falando…

Pode até ser que alguns momentos a mulher queira isso, mas precisamos construir com essa mulher é uma amparo emocional para que ela se fortaleça, para que ela continue vinculada com o bebê, para que continue se entregando a essa fusão emocional e as avós, se caso se sintam angustiadas com esse novo papel, que tenham também um espaço de escuta, talvez não seja com essa mãe que estará com o bebê, mas pode ser com outras pessoas da família, outros amigos que possam ajudar essa avó a entender esse novo lugar , que é muito diferente do lugar que ela imaginava para ela antes do neto nascer. Em resumo é uma transformação para todo mundo da família não é simples mas é possível, é digno, é belo e é humano.
Por Alexandre Coimbra Amaral, Terapeuta familiar, de casais e de grupos, fundador do Instituto Aripe. É psicólogo do programa “Encontro com Fátima Bernardes” da Rede Globo.
Imagem: Elliana Allon