Maternidade é feita de estranhamento, frustração e amor imperfeito.

Comportamento humano - Organismo

Maternidade uma construção íntima

O mundo que vê na mulher que se torna mãe um ser de amor incondicional e de abnegação absoluta não permite que ela tenha tristeza, raiva, medo ou saudade da vida anterior. Ela precisa amar o seu filho imediatamente como quem vive um êxtase místico. Sabemos que o amor materno não funciona desta forma, e que acontece como como a construção íntima de qualquer relação: um vai conhecendo o outro com a marca do estranhamento, que é a grande impressão que a mãe tem do seu filho, por ele não ser exatamente quem povoava seus sonhos.

Acontece que o mundo ainda não espera que a mãe sofra com a chegada deste filho. Há uma frustração do mundo em torno da mulher, que projeta este sentimento nesta mãe na forma de culpa, raiva e julgamento. A mãe se desestabiliza, e aqui pode se consolidar uma trajetória silenciosa da narrativa “eu sou uma mãe ruim, porque eu não sinto só coisas boas sobre meu filho”. O grande problema está aí: pode ser que não seja sobre o filho, mas sobre a maternidade. Uma mãe pode amar profundamente o seu filho, sentir muitas coisas lindas sobre ele, e ainda assim estar em desalinho profundo com a maternidade, com o peso que significa ser mãe.

Um encontro muito além do amor

E uma mãe pode, também, não aceitar o seu filho e demorar a fazê-lo. Isto é importantíssimo. Não temos que apressar o ritmo da aceitação deste filho, porque isto é uma forma de dizer para esta mãe que ela está errada. Não, ela não está, errados estamos nós, que não entendemos até hoje que é o estranhamento, e não o encontro perfeito de corações encantados, a verdadeira faceta da maternidade. A frustração de uma mãe, de não encontrar o filho que ela deseja é a base da sua identidade materna mais corriqueira –  se assim nós enquanto sociedade não continuarmos a patologizar moralmente aquilo que é apenas humano.

Quando uma mãe estranha o filho, ela faz um exercício psíquico muito profundo; que é ajustar o seu olhar ao filho que ela tem de fato. Aos poucos ela vai descortinando uma névoa, que vai sumindo à medida em que ela vai elaborando a frustração e vivendo o encontro com o filho real. Mas se ela se vê obrigada a aceitá-lo, como uma imposição desta voz externa da cultura, esta pressa em amar pode virar raiva, Este “tem que” pode ter um preço muito alto, Algo como: “Ok, vou aceitar este bebê, eu aceito #sqn esta obrigação de aceitá-lo como ele é. Só que não.

A cobrança que vem com a frustração

Quando uma mãe não pode se frustrar com o filho e ir encontrando-o aos poucos, trocando o estranhamento pela intimidade que vai sendo construída no cotidiano, ela pode dizer silenciosamente ao filho, em algum momento: “agora é a sua vez. Agora eu quero coisas de você, e você não me obedece. Vamos levante aí da sua zona de conforto e me dê agora o que eu já fiz por você; que foi te aceitar, quando eu não estava ainda preparada para tanto. Agora você vai realizar o script que desenhei para você”.

Isto se minimiza (e não se resolve, porque o desencontro será sempre a marca desta relação entre mãe e filho). Quando nós deixamos esta mãe em paz para estranhar, para estar ambivalente, poder dizer que tem saudades de quando não era mãe. Aos poucos ela vai aceitando a sua própria imperfeição materna; saindo daquele paradigma enlouquecedor da mãe incondicional e perfeita, e exatamente por isso mesmo pode aceitar a imperfeição do filho; “Meu filho não precisa ser exatamente quem eu gostaria que ele fosse, porque eu tampouco tive que aceita-lo totalmente”.

Do desencontro ao encontro humano

Assim, a maternidade se transforma numa relação íntima, amorosa possível; cheia de contornos, cicatrizes e reparações. Humana, enfim. Ambos se estranham, se amam, se necessitam, se esforçam em nome do amor e do vínculo íntimo que já construíram. E fazem do reencontro um ato de reafirmação do amor: estaremos sempre nos reapresentando um para o outro, em nossa afirmação de sermos pessoas diferentes, e não a ancestralidade ou legado imediato daquilo que sou. É no estranhamento, na aceitação da frustração e do amor possível, que a maternidade encontra o seu caminho mais amoroso, mais abissal e menos tortuoso.

por Alexandre Coimbra Amaral, psicólogo, terapeuta familiar e de casais; fundador do Instituto Aripe e está conduzindo o Curso de Psicologia do Puerpério.

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