Acerta a pega. Tem que acertar a pega. Se não acertar a pega, vai machucar. Vai rachar. Sangrar. Você não vai conseguir amamentar. A minha maior preocupação era acertar a pega. Ela nasceu e a primeira coisa que fez, antes mesmo de nos separarem pelo cordão, foi pegar. Pegar o peito com a pega certa. Sua boquinha faminta farejou e encontrou. Ela sabia o caminho do meu corpo. Ela acertou a pega. Sugou. Não machucou, nem sangrou. Respirei.
Mas eu não sabia, nem sonhava, que amamentar é muito, muito mais do que uma pega certa. Amamentar é doação, entrega, energia. Amamentar é dispor do seu corpo para alimentar outro. É deixar o tempo de lado e alimentar. Não tem relógio. Tem vontade, fome, medo ou dor dela. Tem disposição, paciência e calma minhas.
Amamentar é sentar e esquecer que a vida corre lá fora. É viver outro tempo, com outros ponteiros. Amamentar é não dormir. Amamentar é solitário. Amamentar é a mama empedrada por excesso de leite. Amamentar é ordenhar leite às 3 da manhã para aliviar. Amamentar é dolorido, doloroso. É desafio. Tem horas que dá vontade de perder o jogo, a linha. Pedir arrego pra mamadeira. Amamentar é olhar, dizer. É troca de tudo, acima de tudo, de carinho. Tem horas que dá vontade de deixar ela ali pra sempre.
Amamentar não tem lugar. A fome dela não espera chegar em casa. Amamentar é conviver com olhares incomodados, de julgamento e reprovação pelo seio à mostra. Amamentar é bicho. Meu peito é nutrição. Meu leite é alimento. Alimentar um outro ser com seu próprio corpo é alimentar a alma. Minha e dela. Seguiremos assim até quando nós duas quisermos.
Por Lívia Mota em Mãe Trapilha
Texto disponível em: http://maetrapilha.com.br/2017/03/07/nossoalimentar/