Amar (e todos os seus avessos, que fique bem claro) faz parte da forma de estarmos no mundo. O que é atributo da cultura e de uma dada época histórica é este adjetivo “romântico”. E de tão batido parece uma pedra fundamental de nossas vidas. Por mais que pratiquemos a liberdade de expressão e experiência afetiva e sexual, o amor romântico ainda é o grande céu que nos emoldura. Ele está por todos os lados: nas músicas de refrões que grudam no ouvido, nas histórias dos casais das novelas e dos filmes, nos sonhos (cada vez mais inconfessáveis) e nas salas de terapia.
O amor romântico, forma de entrelaçamento edílico.
Todos ainda somos fisgados, em algum nível, por esta forma de entrelaçamento conjugal. Ainda queremos acreditar que, em alguma esquina da vida, passará alguém que me encontrará ao acaso, e aí, à primeira vista, eclodirá o tesão, a afinidade e o desejo de eternizar a relação. O problema é o que vem com este pacote aparentemente inofensivo. O amor romântico é uma armadilha em vários níveis, e é facilmente vencido pela passagem das folhas no calendário. O amor que prometia a eternidade da sensação inebriante é vencido pelo tempo, o senhor das verdades.
O amor romântico prevê que o casal se apaixone, passe por uma fase de profunda fusão e tesão indescritível. E que esta força centrípeta sirva para construir uma relação exclusivista, baseada na fidelidade e na monogamia. O amor romântico quer, assim, que nos apaixonemos por uma pessoa, e só por ela, que seja para sempre. E que o tesão seja infinito e que dure para sempre, e que daí cheguem os filhos, definindo o esquema complementar da relação conjugal.
O casal: entidade em que a vida contemporânea parece ter costurado ao avesso
Mulheres e homens com papéis absolutamente diferentes e que se completam no jogo cotidiano do casal. Cada um no seu quadrado, na sua caixa cultural. A tristeza e a dor é perceber, que apesar de termos feito tudo o que fizemos, o amor romântico é uma das invenções do patriarcado. O casal é uma das entidades em que a vida contemporânea parece ter costurado ao avesso. Não é mais possível rejeitar as imposições de gênero patriarcais, e ao mesmo tempo acreditar nas fábulas que nos contaram na infância.
Isso quer dizer que está tudo perdido? Que o amor existe, mas o romantismo é sempre uma tragédia para a autonomia do desejo? Estamos em uma época de desmonte destas ilusões românticas, mas ao mesmo tempo não damos conta de tanta desconstrução. Não queremos perder o frisson do amor exclusivo que nos sacia o desejo de sermos especiais. E queremos relações mais igualitárias, mais livres das imposições de regras. Queremos desfazer as regras da cultura e criar nossa própria forma de sermos um casal.
Ser autêntico é uma das maiores necessidades humanas
Este é um dos trabalhos mais áridos de uma vida: ser autoral. Fazer o mundo existir com as suas próprias mãos, tomando o desejo como uma grande argila e esculpindo uma forma inédita de se expressar. Ser autêntico é uma das maiores necessidades humanas. Embora jamais consigamos ser absolutamente coerentes entre o que pensamos, sentimos e fazemos. Eis o desafio: trazer esta necessidade para a vida conjugal. Fazer “do nosso jeito”, de uma maneira que contemple as frustrações acumuladas pela história. E que já mostrou que o funcionamento antigo está caduco, precisando ser revisto amplamente.
A crise do casal é uma forma de colocar as rédeas do amor romântico em cheque. Sabermo-nos autores de uma forma possível e palatável de conjugalidade. O que definitivamente não é simples, nem tampouco de fácil execução.
A condição para esta refazenda da vida a dois é ter ambos comprometidos com a tolerância à frustração. Com a coragem para fazer do sofrimento uma ponte para algo que ainda não está inventado do lado de fora. É possível fazer do nosso jeito, mas o preço a se atravessar para a vida autêntica é enfrentar o túnel das desavenças, de mãos dadas. Ainda que elas estejam flamejando de emoções muito díspares daquelas que o amor romântico previu como o manto da eternidade.
por Alexandre Coimbra Amaral, psicólogo e terapeuta familiar e de casais e conduz o Curso de Fundamentos da Terapia de Casal aqui no Instituto Aripe.
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Respostas de 2
Que texto mais incrível!!!! Traz uma excelente reflexão sobre esse amor, que só existe de fato em nossa imaginação.
Gostei muito da reflexão e como ela foi colocada. Obrigada por esse artigo. :)