Sobre mergulhos, vínculo e promoções de supermercado

“- Joana disse que encontrou vínculo com garantia estendida no supermercado. Tem limitação de compra por cliente, claro. Porque vínculo é um só, né Marcinha!

– É como dizem, não se faz mais vínculo como antigamente!”

Causou estranhamento esse diálogo, não causou? Pois é! Sabemos que não encontramos vínculo embalado nas lojas, muito menos com entrega sem frete e parcelamento a perder de vista. Mas mesmo assim essa palavrinha está na moda, sobretudo nas conversas entre pais, casais e nos consultórios dos terapeutas.

E o mercado, você sabe, não perde tempo! E as prateleiras do consumo estão repletas de produtos e serviços que nos prometem promover vínculo profundo e duradouro entre nós e nossos parceiros, parceiras, filhos, filhas, trabalhos e inclusive com nós mesmos. Use isso, faça aquilo, beba aquilo outro, e o vínculo virá. Mas será que vínculo pode ser estabelecido através de produtos que compramos?

Aliás, o que é vínculo?

Segundo o dicionário Michaelis online, vínculo é uma palavra que possui sete definições. Escolhi 4 delas, que conversam mais com o nosso cotidiano:

“1 O que ata, liga ou aperta; atadura, liame, nó.

2 O que estabelece uma relação lógica ou de subordinação.

3 O que liga afetivamente duas ou mais pessoas; relação, relacionamento.

4 O que restringe ou condiciona (algo).”[1]

Ou seja, vínculo é ao mesmo tempo aquilo que promove ligação entre pessoas e/ou coisas, que delimita os lugares das pessoas nas relações, e o que pode ser justo a ponto de restringir o movimento. Em todos os sentidos estamos falando de algo que se dá através de conexões. E será que existe algo que faça com que a gente se conecte mais e melhor, e ainda consiga manter distância segura pra não sufocar o outro ou subordinar ele ao meu prazer?

A resposta mais óbvia seria dizer pra você que não, porque é só olharmos pro nossos aparelhos de celular e vermos que nunca estivemos tão conectados, trocando mensagens o dia inteiro com colegas, parentes, em grupos de trabalho, e ao mesmo tempo nunca nos sentimos tão sozinhos de um lado e profundamente sendo invadidos pelo outro.

Mas eu diria pra você que sim, há algo que esta na gênese dos vínculos.

Não vem com fritas, não dá pra embrulhar pra viagem, muito menos tem garantia estendida como a personagem do primeiro paragrafo! Nós também não pagamos no cartão, porque fazemos o acerto de contas através da escolha de nos arriscarmos a nos deixarmos ser vistos por alguém. E não, isso não tem a ver com mandar nudes! Porém esta diretamente ligado a construção diária de compartilhar intimidades: vitórias e fraquezas, defeitos e qualidades, nos arriscando a ser vistos pelos olhos do outro sem filtros embelezadores – e vê-los assim também.

Sentiu o frio na barriga aí, não sentiu?

Vínculo está mais para filme de aventura do que pra romance. Há de se topar correr riscos, subir no trampolim e mergulhar sem garantias de que água está quentinha.

Evidentemente que em cada relação teremos níveis de aproximação, porque vínculo não é feito em tamanho único. Entretanto há algo que está na matéria prima de todos as ligações que fazemos ao longo da vida: uma ação. Justamente porque vinculo não se compra, não se estabelece através da mediação de qualquer produto que seja, e sequer brota espontaneamente. Parafraseando Guimarães Rosa, o que o vínculo pede de nós é coragem – de nos la(n)çarmos.

por Fê Lopes, psicóloga, psicanalista com formação em Psicanálise com Crianças, aprimoramento em Psicologia aplicada à nutrição e pós graduação em Psicanálise da Parentalidade e Perinatalidade. Atua em consultório particular em análise de adultos e crianças. Fê Lopes é colaboradora dos Cursos do Instituto Aripe: Introdução ao Letramento Racial e Psicologia do Puerpério.

[1] https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/vinculo

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