Hoje eu me considero um terapeuta com traumas…
Já vi nessa profissão, nesse ofício que te coloca diante de situações limites da existência do sofrimento humanos; o trauma pode acontecer e de fato vivi experiências em que me defrontei com dimensões do humano que eu não imaginava que existissem. Foram “experiências limites” que me abriram portas para existência; acho que antes de ser terapeuta eu tinha uma visão mais ingênua do humano… eu tinha uma visão mais cor-de-rosa; mais protegida de determinadas cicatrizes da vida.
Não acho que eu fui necessariamente uma pessoa que não viveu dores na vida, mas por exemplo, algumas experiências que eu tive em relação a maldade humana, a perversão humana, no contato com as histórias dos pacientes; isso realmente me deixou marcas importantes, que hoje são parte de quem eu sou.
Eu agradeço essas marcas.
Mas é importante não ficarmos parados no trauma; quando acontecem eventos traumáticos e não damos uma direção adequada, eles podem se transformar em impedimento da nossa prática; se transformar em evitação, se transformar em medo; em um desejo de abandono.
Eu já atendi pessoas que abusaram sexualmente de crianças e essas pessoas vieram me revelar como aconteciam os seus desejos eróticos com o corpo dessas crianças; e eu tenho uma experiência limítrofe com esse tipo de cenário… teve um paciente que eu atendia, em Santiago do Chile, e era uma pessoa com traços bastante perversos, mas que estava ali construindo algum nível de adesão aquela psicoterapia, nós sempre temos dúvidas em casos desse tipo, do quantos pessoas realmente estavam aderindo ou se estavam performando uma adesão. Mas em alguns momentos, eu sentia a alma desse homem e sentia o melhor dele ali em contato comigo; conversando comigo.
Ali eu pude entender…
Naquela época, há 21 anos, eu era bastante jovem mas muito interessado em permear tudo dessa profissão e estávamos conversando, eu já sabia dessa dimensão da vida dele; pois ele já tinha feito a confissão disso; e então teve um tremor de terra, mas que não chegou a ser um terremoto, mas para mim que sou brasileiro foi uma coisa bastante assustadora; naquele instante ele percebeu que eu estava com medo, pois tive uma reação imediata, límbica, de paralisia e medo e passou pela minha cabeça todo o treinamento para emergência para terremotos que tive na Universidade, e de repente ele olhou para mim e disse: “Tá com medo doutor?”; com uma cara maliciosa.
Ali eu pude entender o tamanho da dor que ele provoca porque eu senti no meu corpo aquela perversão; eu senti no meu corpo como ele gozou com o meu medo e ali começou uma outra fase desse processo, mas ali foi um trauma! Ali eu entendi o que é uma dor pungente de habitar esse corpo de um terapeuta.
texto baseado no vídeo por Alexandre Coimbra Amaral, psicólogo, terapeuta familiar e de casais; fundador do Instituto Aripe e está conduzindo o Curso “Grandes Desafios da Clínica”.
O Instituto Aripe (www.aripe.com.br) é uma plataforma de cursos online de psicologia para quem busca aperfeiçoamento profissional ou aprofundamento nos assuntos que abordamos. Somos o lugar de encontro de pessoas que acreditam na busca do conhecimento como forma de crescimento pessoal e potencialização da prática profissional. Através de um olhar sistêmico abordamos temas relativos a terapia de casal, teoria do apego, puerpério e parentalidade em nossos cursos.
MOSTRAR MENOS