Um terapeuta que não quer atender

Eu já vivi muitas situações em que foi impossível continuar um processo terapêutico…

Já fui terapeuta de muitas pessoas, casais, famílias que se recusaram a continuar comigo, como terapeuta ou continuar em qualquer tipo de terapia. Isso quebra muito com uma idealização que temos da nossa própria profissão de que basta você ter um método eficaz e agir em conformidade justa a esse método que todas as portas do outro vão se abrir.

Esse é um luto que a gente vai assumindo ao longo do caminho…

Que o nosso método não agrada todo mundo, que a nossa identidade terapêutica não faz sentido para todo mundo e que às vezes a melhor das nossas intenções é justamente a mão que a gente dá, a nossa parcela para a construção de um grande e insolúvel impasse entre nós e os pacientes que nós atendemos.

Muitas vezes é a parte que nós consideramos mais solar inclusive, que o outro rechaça, que o outro rejeita. Então a impossibilidade de estar em diálogo terapêutico é uma realidade da nossa profissão e na hora que ela acontece, eu acho que o nosso desafio é não nos rendermos a armadilha fácil de achar que nós somos aquele impasse.

A gente precisa respirar, ganhar um pouco de distância…

E depois que aquilo passa, depois que aquela dor nos atravessa e colocar palavras justas no tamanho da sua responsabilidade na construção dessa impossibilidade. Entender sim que nós podemos ter situações que realmente mandamos muito mal e que ajudou um paciente que já estava e com pé do lado de fora a colocar os dois pés ali, do lado de fora da sala. Isso sim é muito útil, mas nunca é útil acharmos que nós somos “um erro”. Acredito que um tanto da idealização da identidade profissional pode fazer com que achemos que somos “um erro” e essas situações podem ganhar “cores de Almodóvar”, e fica em tons berrantes assim: – eu não sirvo para isso! Porque esse paciente, veja o que aconteceu! Eu que ajudei a construir esse impasse!

Eu acho muito perigoso, nós também precisamos de ajuda para isso!

Existem algumas histórias da minha vida profissional, que hoje eu olho assim até de um jeito mais risível porque foi uma impossibilidade que se desenhou desde o primeiro momento, e obviamente porque eu sou uma pessoa muito esperançosa no diálogo, no encontro, fui tentando por aqui, tentando por ali, mas o tempo inteiro eu encontrava muros e tentava fazer pontes e as pontes se explodiam muito rapidamente, eu caia nos mesmos abismos, e é muito impactante quando nós vamos nos vendo minguados, assim como se tivéssemos perdendo a energia, o tônus, porque a nossa disponibilidade ela não é biunívoca, ela não é dos dois lados, para ter um vínculo é disponibilidade com a receptividade, como diria Jonh Bowlby na Teoria do Apego.

Então você tá tão disponível para o outro, mas o outro não recebe minimamente a sua disponibilidade…

Ele não reconhece a sua disponibilidade como tal e ele te entrega a negação da existência do próprio vínculo; então isso é uma coisa que às vezes nós demoramos para enxergar como uma parede. Eu, por exemplo, sou uma pessoa que tendo a demorar mais para ver isso e assumir para mim mesmo: – olha esse aí não vai dar! Eu já tentei muito. Às vezes eu tento muito, antes de entender realmente que eu preciso tirar meu time de campo.

Pode ser que você seja a pessoa que viva a situação contrária:

Se você se afasta do campo com mais facilidade, cada um com a sua dor e a delícia de ser o que é, mas sempre acho que se colocar diante de uma situação que se apresenta como “um vínculo impossível” é um desafio para assumir que ele existe; para não levá-lo como uma certeza sobre quem você é como terapeuta. Então o desafio é objetalizar aquela cena e transformá-la numa cena que tenha perímetro:  – esse tipo de situação; neste momento eu não tenho condição de atender esse tipo de cena; ou esta pessoa junto com essa característica minha construiu uma impossibilidade disso acontecer. Esse tipo de análise é o que nos salva para continuarmos com fé em nós mesmos como terapeutas e no diálogo como processo.

texto baseado no vídeo por  Alexandre Coimbra Amaral, psicólogo, terapeuta familiar e de casais; fundador do Instituto Aripe e está conduzindo o Curso “Grandes Desafios da Clínica”.

“Grandes Desafios da Clínica é um curso que acompanhará suas principais angústias e dificuldades na prática clínica, sobretudo quando ela vive dilemas e impasses. Amplifique seus recursos clínicos para atender casos complexos e situações desafiadoras. A terapia tem sido muito mais procurada desde o início da pandemia, e muitos de nós temos sido surpreendidos pelas temáticas e pela complexidade daqueles que nos buscam. Muitas vezes sentimos que nossa formação precisa ser complementada, justamente a partir das perguntas que aparecem na prática.
Este curso vem atender a esta necessidade urgente.

O Instituto Aripe (www.aripe.com.br) é uma plataforma de cursos online de psicologia para quem busca aperfeiçoamento profissional ou aprofundamento nos assuntos que abordamos. Somos o lugar de encontro de pessoas que acreditam na busca do conhecimento como forma de crescimento pessoal e potencialização da prática profissional. Através de um olhar sistêmico abordamos temas relativos a terapia de casal, teoria do apego, puerpério e parentalidade em nossos cursos.